Frozen Fear

- Desculpe-me. - murmurou, os olhos verdes luzindo de irritação. - Deve estar enganada.

Olhou para Elena outra vez para ter certeza que não a conhecia. Nem os cabelos negros nem os brilhantes olhos azuis eram de alguma forma familiares para Vincentt.
Elena não pareceu convencer-se.

- Não. - disse ela firme. Então, sua expressão mudou. Não era mais Elena, a garota enxarcada que fora encontrada no coração do inverno. Seu rosto estava solene, convertido em uma alma muito maior. Quando tornou a falar, a voz também estava mudada. Era éterea, vinda das profundezas do tempo. - Você é Vincentt, da ordem dos Cavaleiros de Gelo, designados para proteger os grandes mistérios que habitam o véu entre os mundos. O que se foi e não obteve perdão.

Elena voltara a falar daquele que se foi. Vincentt a encarava perplexo, perguntando-se como esta sabia tanto. A resposta veio em uma avalanche de compreensões mal interpretadas, mas que estavam indo pelo caminho certo. A primeira: Elena era uma profetisa. Havia cinco cavaleiros de gelo que eram dotados em magia. A esses, coube a função de proteger a escola de magia e bruxaria de Hogwarts de quaisquer males que a ameaçassem. O chamado não ecoaria para aqueles que rejeitaram sua condição, como Vincentt, a não ser que a situação exigisse todos juntos; ainda asssim, o cavaleiro poderia negar ajuda.

A profetisa pareceu voltar a si. Seus olhos azuis brilhavam mais que nunca e sua boca estava contorcida em um esgar. Vincentt imaginou que não era nada divertido ter visões sem prévio aviso.

Ele suspirou fundo. Não era de sua vontade voltar a sua antiga vida. A deixara acreditando que não iria precisar voltar.

- O que está acontecendo? - perguntou ele por fim. Sabia que devia ser alguma coisa. O chamado não ecoaria se não fosse. Assim que perguntou, uma rajada de vento forte e gelado perspassou a espinha de Vincentt e fez voarem os cabelos negros de Elena.

- O inverno se aproxima. - sussurrou Elena novamente tomada pelo pavor. - Devemos correr antes que seja tarde.
Elena se virou para o lago onde estivera caída e emitiu um som agudo com a boca - um assovio. Momentos depois, um corcel cinzento apareceu correndo mais rápido que um raio; Sem perder tempo, Elena montou o cavalo. Vincentt não fez qualquer menção de que iria se mexer. Os dedos de Elena se fecharam em volta de seu pulso, seus olhos alarmados. Era um aviso. O cavaleiro compreendeu a urgência dentro dos olhos de Elena. Ainda lamentando-se por ter de voltar ao seu passado, montou seu cavalo.

No mesmo instante, Elena começou a correr, fazendo com que Vincentt fizesse o mesmo. Como companhia, tinham o vento gelado, mas nenhuma neve. Vincentt observou isso depois de alguns minutos de cavalgada.

Elena riu desdenhosa.

- Logo a neve chegará, cavaleiro, se é isso que você quer. Saymor Slitheryn não nos poupará do gelo.

Vincentt queria manter o tom sereno; Mas não é verdade que Saymor era o irmão de Salazar Slitheryn, um dos quatro criadores de Hogwarts?

Aos poucos, o ritmo dos cavalos foi diminuindo, e Elena foi se abrindo.

- Ele sempre invejou o irmão, você sabe. - comentou a profetisa esquadrinhando a paisagem de montanhas e céu cinzentos.

- Saymor? - perguntou seu companheiro. Elena confirmou com um aceno de cabeça e depois continuou:
- E depois... nunca suportou a ideia de ficar sempre nas sombras, por trás de toda a luz que Salazar representava ao ser um dos grandes patronos de uma das maiores evoluções bruxas.

Vincentt assentiu, concordando. Para quem um dia viveu na Corte de Hogwarts, a discórdia entre os irmãos Slitheryn não era nenhuma novidade. Salazar tinha o sangue frio e pensamentos que tinham tendências discriminatórias, mas amava seu precioso instituto acima de tudo. E tinha poderosos laços tanto afetivos quanto políticos com os outros três.
Elena continuou com a sua narrativa:
- E então... no final do outono veio a sentença, o chamado de guerra: Saymor queria que deixássemos o castelo até o Solstício de Inverno. Se não o fizéssemos, ele jurou que iria nos arrastar para o mundo de Átelles, uma subdimensão onde só há o gelo mortal. É o fim do Universo. Salazar supõe que Saymor tenha feito alianças e promessas aos Dracul, os demônios que habitam Átelles. O fato é que a porta para o inferno gelado está aberta. Essas lufadas de vento repentino... Vincentt, isso não é o inverno comum. Quando o frio for absoluto e o gelo congelar nossas mentes e almas - congelar literalmente - será o fim. Todos aqueles que têm laços com Hogwarts estarão em Átelles mais rápido do que possam dizer demônios.

Vincentt se manteve altivo e nada disse. Conforme ia entardecendo, o frio ia piorando. Elena ainda estava envolta no manto de Vincentt e esse tinha como proteção apenas sua camisa de algodão; seus braços pareciam endurecer nas rédeas, tal como os músculos das pernas, imóveis em parte pelo frio e em parte pelas muitas horas de cavalgada.

Chegaram à um vilarejo devastado pelo frio. Uma grande fogueira ardia no centro da cidadela e as crianças dançavam ao redor do calor e da luz, jogando de vez em quando alguma coisa para alimentar o fogo. Havia muitas fitas espalhadas pelas ruas; lembrança do festival do Solstício, que as pessoas ainda pareciam comemorar.

Vincentt e Elena desmontaram e se aproximaram do fogaréu sorrateiros. A garota tirou o manto de Vincentt de cima dos seus ombros.